Quando a visão, o calor humano e a paixão comandam a área de suprimentos, todo o setor ganha, inclusive o paciente

por Redação Bionexo

Imaginar que entre as quatro paredes de uma instituição de saúde existem o foco e a pulsação cautelosa do time da administração, já que um mínimo deslize pode ser fatal, é algo corriqueiro. Mas e a área que tem as atenções voltadas para abastecer com competência, pontualidade e qualidade extrema, a diversificada lista de insumos e equipamentos que fazem um hospital funcionar dia e noite? Talvez alguns enxerguem essa tarefa como pouco empolgante ou com reduzida capacidade de mudar os rumos do hospital, o que é um erro e te diremos porque. 

A série de dúvidas e conceitos distorcidos a respeito do poder transformador que os profissionais de suprimentos carregam, cai por terra quando, na linha de frente, nos deparamos com o brilho no olho de alguns. É o que acontece em uma das instituições de saúde mais renomadas do País, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que conta  com uma equipe eficiente liderada  por Leonisa Obrusnik .  

Diretora da Cadeia de Suprimentos do hospital, onde está há 15 anos, ela veio do Sul do País para a capital paulista movida pela paixão com que abraçou uma carreira  desafiadora no setor. Relações públicas por formação acadêmica, Leonisa é uma entusiasta da humanização na saúde. 

Destemida e dona de um senso de liderança nato, concorda em preparar seus sucessores com a mesma obstinação que a conduziu até aqui. Fã, entre outros ícones, de Barack Obama – porque considera o ex-presidente um iluminado na arte da negociação, a executiva participa ativamente de entidades que zelam pelo interesse das instituições da saúde, além da busca de produtividade, para que hospitais comprem bem e cada vez se aprimorem mais.  

Convidada a falar sobre o impacto do propósito na saúde , nesta entrevista Leonisa compartilha o vasto conhecimento e confirma sua veia colaborativa para alcançar qualidade e segurança que refletem sobretudo na experiência de quem mais importa, o paciente.

#1. Da formação em Relações Públicas à dedicação extrema e imersão na  área de supply, como isso se deu? Como você começou a atuar na saúde?

O início na saúde se deu quando eu ainda cursava a faculdade – a opção por Relações Públicas foi devido ao gosto pela área – eu era secretária executiva e achava ideal buscar um relacionamento mais estruturado na vida dedicada a hospitais. Com o passar do tempo, no Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre, onde eu trabalhava, tive a oportunidade de  passar para a área de compras. Assumi a supervisão da equipe e algum tempo depois a gerência. No passo seguinte busquei a especialização, fiz cursos de gestão empresarial, gestão de negociação, MBA para gestão de executivos. Quando comecei a trabalhar na área de suprimentos realmente me apaixonei e passei a buscar por uma formação mais direcionada para esse segmento.

#2. O que motiva você nesse segmento desafiador dentro da área da saúde? O que mais encanta você na saúde?

O que mais me motiva no meu dia a dia é poder impactar a qualidade e a segurança no tratamento do paciente. A assistência, na realidade, só se dá com os insumos. Poder olhar cada paciente que chega ao hospital – não se sabe o que ele vai utilizar, porque a prescrição vem após a chegada dele e, poder trabalhar com eficiência, garantindo que tudo o que ele precise vai estar disponível é muito impactante. É uma motivação, porque a gente se coloca muito no lugar do paciente… Ele não imagina o que a gente faz nos bastidores. Ter o nosso hospital bem avaliado pela JCI (Joint Commission International) – destacada agência verificadora da qualidade em saúde do mundo que faz a acreditação hospitalar,  é gratificante. A unanimidade dos avaliadores  – inclusive presentes – em referendar nossos avanços, nos enche de emoção, sem contar que a nossa área recebeu muitos elogios. Temos nossa missão, nossa visão, nossos objetivos, todos voltados à qualidade de segurança do paciente e o cuidado com o abastecimento, é isso que faz a gente se desafiar todo dia.

#3. Com tanta vivência na área você provavelmente acompanhou muitas mudanças no setor de suprimentos na saúde. O que foi mais relevante?

Do ponto de vista da gestão, o que mais mudou na área hospitalar – na visão de estoque – foi o profissionalismo e a eficiência em relação ao giro de produtos. Antes os hospitais colocavam 30, 60 dias de estoque dentro de casa – sob o receio de que pudesse faltar algum item. Hoje, na realidade, quanto menos produtos a gente tem, mais eficiente a gente é. A virada maior foi no relacionamento com os fornecedores – que são uma parte muito importante da cadeia. Seja porque eles nos ajudam a garantir que não falte nada ou porque guardam um estoque maior, o pensamento de gestão é o mesmo na área de suprimentos. E a tecnologia foi a outra grande mudança, que vem avançando muito. Em 2011, por exemplo, nós implantamos um sistema e eliminamos 100% da impressão em papel na área de suprimentos, nada mais é feito com impressão. Sem e-mail como antes, e com um sistema de gestão digital,  hoje tudo é encaminhado via ERPs (sistema de gestão unificado) mesmo,  de forma integrada e tecnológica. Foi uma mudança muito grande e, atualmente, com a inteligência artificial não tem mais quem não segure a automação 4.0 na saúde.

#4. Leonisa, direcionando seu olhar para o futuro, que alterações em abastecimento na saúde estão por vir? Qual mudança você ainda anseia ver no setor?

Na área de suprimentos eu espero que um dia possamos fazer compras compartilhadas com sucesso, um sonho antigo meu. Existe grande dificuldade para compor um grupo coeso e eficiente, que atinja metas e siga junto nesse caminho, esse é um propósito sonhado. Atuamos num universo complexo por conta do obstáculo da padronização – diferentes produtos, com distintas linhas que envolvem tratamento da informação, são muitas as opções para que os profissionais tomem a decisão à beira do leito, saber qual protocolo será utilizado. Seguido a isso, os equipamentos com suas especificidades, de fabricantes e marcas variadas. Quando se vai fazer uma compra conjunta essa diversificação impede uma boa compra, tal como fazer um abastecimento, uma previsibilidade de compra. A compra só é bem feita quando a gente tem uma boa padronização e faz um bom planejamento. A parte mais frágil dos hospitais é o planejamento.

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Quando a gente opta por uma compra compartilhada é muito difícil emitir uma relação de itens e esses itens se cruzarem. Exatamente pela padronização – que é o princípio de tudo. Queremos comprar juntos, ok. O que vamos ter como padrão para um determinado procedimento? Por exemplo, de infusão de um medicamento, quais as máquinas de hemodiálise que vamos comprar? Isso é relevante já que cada equipamento tem um insumo próprio.

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#5. No que esbarra esse modelo colaborativo? É aconselhável os hospitais unirem forças e trabalharem juntos, mas existem dificuldades, não só em compras, mas também em compartilhar pesquisa e conhecimento. Qual seu olhar sobre esse ponto?

Decorre muito da cultura do setor, padronizações diferentes que não permitem que se trabalhe muitos itens na hora de comprar um lote. Isso é muito da área hospitalar, porque a gente vê os outros segmentos voando nesse caminho, e isso também é muito do Brasil. No exterior existem redes gigantes que já compram em conjunto, fazem negócio juntos. E, a propósito, toda a vez que buscamos  tentativas isoladas nesse sentido temos sucesso. Até a compra conjunta da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), por menor que seja o volume que se compra lá,  traz uma média de ganho, praticamente a inflação do ano. O insucesso acontece porque os hospitais não colocam as quantidades, não há fidelização entre os hospitais, isso é muito cultural. Os hospitais estão perdendo tempo não  compartilhando informações que são relevantes. Nós dividimos, porque não competimos nessa área, porque quem compete são nossos serviços assistenciais, nossos serviços médicos. Sincronizar processos de compras é um sonho, chegar a um modelo bem–sucedido, com diversos hospitais fazendo o esforço para reduzir custos.

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#6. Compartilha com a gente uma lembrança de algum trabalho que você entregou e teve alto impacto na saúde? Qual o seu sentimento por ter contribuído com o setor em tal magnitude? 

No Brasil, o trabalho pioneiro foi a rastreabilidade de medicamentos – nos final dos anos 90 quando implantamos esse controle no hospital Moinhos de Vento (o Hospital Albert Einstein já havia iniciado alguns projetos nesse sentido). Naquela época, começamos a trabalhar com os laboratórios e hoje, contar com rastreabilidade é praticamente lei! Mas, em 1998, começamos a rastrear 100% dos medicamentos no hospital no qual eu trabalhava, o que era muita inovação para a época. Em 2008, implantamos no Oswaldo Cruz e hoje é essencial e comum contar com esse tipo de tecnologia, muito me satisfaz ver toda essa evolução. 

Destaque – Ainda no aguardo para virar lei, a rastreabilidade é a garantia de que o medicamento não é falsificado,  nem foi adulterado e não foi armazenado fora dos padrões. Também inibe que empresas que não estão vinculadas à saúde e bem-estar atuem no setor. Igualmente a lei tão aguardada visa prever o descarte – de produto que perde a validade, forma de coibir que com o prazo de vencimento expirado volte ao estoque da instituição. 

Fomos também, o primeiro hospital a ter um robô que guarda todos os nossos medicamentos e dispensa por ordem de data de validade – da mais antiga para a atual. Com isso chegamos à excelência. Os medicamentos são armazenados numa espécie de cofre, inviolável.  Contamos com automação desde o recebimento até a saída – hoje não há mais pessoas empregando tempo em contar quantos itens estão dando baixa. O robô dispensa em modo automático Primamos por segurança.

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#7. Você é bastante atuante na comunidade da saúde e imprime um olhar humanitário, em sinergia com os propósitos da responsabilidade social. Qual o seu sentimento de poder fazer a diferença? Principalmente num contexto em que se coloca em pauta os princípios de ESG (siga em inglês para environmental, social and governance ou ambiental, social e governança, em português), muito presentes nas corporações e ainda mais na saúde?

Sempre gostei muito de olhar como os outros fazem, me ater a boas práticas e comparecer frequentemente a eventos para me atualizar. Quem está num cantinho do Rio Grande do Sul, sempre acha que São Paulo é um mundo perfeito e eu sempre fui muito de ir atrás. Coordeno o Comitê de Relações com Fornecedores da Anahp, desde a fundação da entidade, quando assinamos em Brasília a carta para a sua criação. Apreciei em toda a minha trajetória a troca de informações, depois entrei pro CBEXs (Colégio Brasileiro de Executivos da Saúde), tive a oportunidade de dar aula lá. O ápice da minha troca de informações aconteceu este ano, durante  a pandemia. E também no ano passado, quando constituímos um comitê junto com a ANAHP, na ANVISA. Ajudamos a mudar a lei, buscamos fornecedores, o que ajudou hospitais de todo o Brasil a recorrer à importação na hora da falta de medicamentos. Atuava ajudando as pessoas, a gente se importa muito aqui no Oswaldo Cruz, temos know how, percebemos o quanto os hospitais tinham fragilidades nesse processo e necessitavam fazer as importações.

Este ano, quando tivemos falta de medicamentos, trabalhamos muito forte junto à ANVISA – representei todos os hospitais da saúde privada, nas reuniões nas quais se alterou a lei, conseguimos fazer junto com o Alex – que é o diretor de Registros na Agência – um processo muito legal de importação. A ponto da ANVISA desembaraçar os processos – a partir do momento em que a gente informava que o voo saía do país de procedência. Enquanto a nossa mercadoria estava a caminho, a ANVISA liberava, batia no aeroporto em São Paulo e em 24 ou 48 horas tínhamos a mercadoria dentro de casa.  Todos os hospitais direcionaram para a ANAHP e junto com a equipe da entidade fazíamos o monitoramento junto à ANVISA.

Tive a oportunidade de participar de uma reunião onde haviam profissionais de mais de 100 instituições, do Sindicato dos Hospitais, ocasião que me permitiu responder a esses hospitais sobre processos de importação, a respeito da própria legislação, como estávamos aqui no nosso hospital nos organizando para garantir que não faltasse insumos. Porque quando a ANVISA mudou a lei ela não estava mais se responsabilizando pela qualidade do produto, éramos nós mesmos os responsáveis, então tínhamos que ter uma equipe técnica para avaliar documentos. E alguns hospitais que não tiveram o cuidado, perderam mercadoria, porque quando chega ao País e não é aprovado pela ANVISA ele é descartado.

Foi muito gratificante este último ano, por mais difícil que tenha sido, por mais estressante que tenha se desenrolado todo o processo de ter medicamento até amanhã e não saber se iria chegar um lote novo. E não faltou em um dia sequer então, poder contribuir com os demais hospitais foi muito gratificante.

#8. Quais suas referências, não apenas na saúde, pessoas que  inspiram você Leonisa?

Me inspiro muito no William Ury (professor de Harvard e reconhecido negociador norte-americano), assisti muito ele aqui no Brasil – vinha quase todos os anos a convite da HSM. Ele me inspirou muito na negociação. Tem o Barack Obama também  – ex presidente dos EUA, um exemplo de perfil muito legal de negociador, com algumas características bem relevantes. 

#9. E entre os brasileiros, quais nomes influenciaram você no seu modo de atuar?

Tenho referências no Brasil, que se tornaram meus amigos, exemplo do  empresário Jorge Gerdau, nome que muito me inspirou em gestão, indicadores e qualidade. No Rio Grande do Sul eu tive oportunidade de participar, durante muitos anos, como avaliadora do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade. Conseguimos alcançar o topo do nível Platinum no hospital Moinhos de Vento, eu coordenava as avaliações dentro do hospital e era muito incentivada. Porque o Jorge Gerdau, além de ser o profissional que ele era, tinha uma visão diferente, acreditava que quanto mais as empresas crescessem no conjunto, mais rico seria o Estado. 

Inclusive, durante muitos anos o Rio Grande do Sul se destacou em ser um estado diferenciado, mas muito inspirado pelo Gerdau. O programa foi criado por ele, que se inspirou no Prêmio Nacional da Qualidade (PNQ) – nos anos 80 –  e  levou isso pra gente. Tive muita aula com o Professor Vicente Falconi, ele foi nosso consultor lá durante 5 anos, para a gente fazer toda a revisão de processo, o Falconi nos ajudou muito e quem o levou para o hospital foi o Jorge Gerdau. Se olharem como funcionam hoje as cidades em Santa Catarina, vocês vão constatar uma mãozinha de processos lá, na cultura das pessoas, por exemplo. Hoje o Jorge Gerdau mora em Santa Catarina e não para. Me admira muito que ele continue fazendo o bem. Outra pessoa que muito me inspirou foi o Raul Randon, dono da fábrica de caminhões Randon e que tem 10 empresas em Caxias do Sul. Mantém um Plano de Saúde para todos os colaboradores dele. Uma vez, ele estava internado no Moinhos de Vento, me chamou e disse: “O que eu quero é um plano de saúde para todos os meus colaboradores, para que tenham o mesmo tratamento que eu recebi”. Era uma pessoa de simplicidade impressionante, nos últimos anos de sua vida comprou uma fazenda em Vacaria (RS) e se dedicou à produção de queijos premiados e vinhos, tudo o que ele botava a mão virava ouro. Interessante é que ele nunca estava presente 100%, porque tinha muitos negócios, mas sempre arrumava parcerias e 50% do lucro era para ele e os outros 50% de quem estava com ele, Sempre dizia: “Não se pode pagar pouco para quem te ajuda”. Essa humildade é admirável. Há muitas pessoas que fazem a diferença no mundo, acho que eu me inspirei muito em tudo isso.

#10. Como você trata a liderança e a sucessão dessa liderança, seja no hospital ou nas instituições e entidades nas quais é tão ativa? Como preparar a nova geração de líderes?

Eu tenho a mente muito aberta. Acho que todo mundo deveria pensar no seu sucessor, até tenho discutido isso um pouco aqui dentro do hospital. Eu não vou trabalhar eternamente, gostaria de deixar um legado, pessoas preparadas. Minha equipe está super preparada, se eu estou ou não no hospital as coisas funcionam igual. Mas é óbvio que a gente precisa de pessoas com habilidade e conhecimento para fazer a sucessão. Isso é fundamental para que as empresas não tenham momentos de perda de qualidade ao se trocar colaborador. Eu defendo que todo mundo deveria se preocupar em ter, sim, alguém que esteja do seu lado  para poder seguir com o processo em alta competência. 

#11. O que um líder na saúde tem que ter? Nota-se a presença de muitos jovens nessa área, sem contar as novas tecnologias que estão surgindo.  Qual o seu olhar para esse cenário?

Eu brinco que, todo líder deveria ir aos Estados Unidos e pedir uma comida diferente da que eles estão servindo no padrão. Eu tive algumas experiências – não gosto de repolho – e quando chegava naqueles parques da Disney pedia para tirar o repolho e o resultado? Eles não entregavam a comida. Eles não conseguem, são tão redondinhos, que não absorvem o fato novo. As pessoas que trabalham na saúde têm que ser exatamente o contrário. Tem que ter a mente aberta e saber que cada paciente é um processo e universo diferente, que requer habilidades específicas para lidar e alcançar a competência. Essa forma de se moldar, de fazer com que produtos iguais cheguem no paciente de formas diferentes, para que o paciente perceba que está sendo atendido com exclusividade. Eu acho que isso é muito difícil nos hospitais, chegar à beira do leito e entregar um produto que promova esse bem-estar, que o paciente tenha o seguinte sentimento: “Esse hospital se preocupa comigo”. Isso é algo que falta muito ainda na nossa saúde.