Suprimentos, protagonismo e um alerta de Carlos Oyama: é hora de ocupar espaço e assumir a direção do setor!

por Redação Bionexo

Muito se evoluiu em medicamentos, materiais médicos, equipamentos e processos, tudo que projetam hospitais, clínicas e laboratórios do País no campo da excelência. Mas há demandas que, se não comprometem essa reputação, indicam pressa na mudança estrutural que se aproxima da malha de distribuidores da saúde, com forte contribuição da tecnologia que se molda à essa atividade. 

Carlos Oyama, CEO no LMC – Hospital Linhares Medical Center, consultor na Bionexo e referência na área de suprimentos, tendo passagem por grandes hospitais. 

O momento é crucial e tende a impactar, na essência, a logística e o relacionamento comercial e de gestão do estoque, para dar vida nova ao elo entre hospital – distribuidor – fornecedor. Daí o protagonismo que o segmento de supply chain se prepara para assumir. 

Longe de premonições ou de rompantes que, volta e meia, frequentam o meio corporativo, esse diagnóstico parte de Carlos Oyama – CEO no LMC – Hospital Linhares Medical Center, consultor na Bionexo e referência na área de suprimentos, tendo passagem por grandes hospitais. 

Dono de conhecimento robusto em gestão de processos na saúde, Oyama é ferrenho defensor desse anunciado rearranjo. Numa análise transversal ele enxerga que a reinvenção terá o poder de emprestar maior eficiência, transparência, segurança e economia para a distribuição de medicamentos e materiais médicos.

O engenheiro com MBA em Gestão da Saúde, que atuou por mais de 20 anos como Diretor de Supply Chain no Hospital Albert Einstein e no United Health Group, é também, crítico em relação ao desperdício. Um saldo negativo, segundo ele, que decorre da baixa eficiência tanto no abastecimento quanto na gestão de itens nas instituições da saúde, sem perder de vista que o estoque representa até 30% dos custos mensais de um hospital. Para o especialista, a figura do distribuidor deixa, pouco a pouco, a cena e cria um espaço agora ocupado pelo operador logístico, que imprime maior dinamismo ao canal distribuidor, contribuindo para dar novo tom a interesses e desafios desse mercado.

Confira abaixo, na íntegra, a conversa que tivemos com Carlos Oyama, segundo convidado da série ‘Conversas desconfortáveis’: 

#1 Como dar a partida e quebrar paradigmas na gestão da saúde? 

Apenas nos últimos 20 anos a saúde começou a se profissionalizar, porque, historicamente, os hospitais vêm sendo dirigidos por médicos – agentes da saúde. Atuei em hospital e o meu olhar não é outro senão o de como atender melhor o paciente, que deve ser prioridade e foco, e não o hospital ou o médico. Via de regra a pessoa se dirige ao hospital para recuperar a saúde. Da parte do hospital a missão é fazer o possível para corresponder a esse desejo de recuperação. Assim, o papel de quem pensa a gestão é o de apresentar  soluções disruptivas, quebrar alguns paradigmas.  Um dos grandes problemas que impede mais acesso ao serviço da saúde é justamente o desperdício, que está vinculado à qualidade da gestão.

#2 E sobre equacionar o abastecimento. Qual a reflexão e lição aprendida?

Primeiro para nortear a ação é preciso se debruçar sobre a questão da eficiência operacional. O desperdício precisa ser combatido, em qualquer sistema de gestão ele afeta diretamente o resultado. Quanto menos desperdiçar, mais o seu sistema será eficiente. A respeito de suprimentos é fato que o hospital procura ter tudo dentro da sua casa. Na pandemia, por exemplo, isso se comprovou, houve o famoso “efeito chicote”, todos os players querendo aumentar desmedidamente o estoque, dado o medo de faltar material básico para atender o paciente: máscaras, luvas, aventais, álcool em gel. Esse temor provocou um boom no mercado, a demanda aumentou,  não porque o paciente necessitasse dos itens nessa proporção. De qualquer forma ficou claro que o hospital não é um galpão  de material, não se trata de local de armazenagem, por isso é tão importante a gestão de estoque. Se guardar muito material vai estar fisicamente ocupando um local que poderia ser destinado ao paciente. 

Hoje a saúde está aportando muito mais tecnologia embarcada para o paciente, monitores, tomógrafos, ressonância… o que faz com que o metro quadrado seja bastante valorizado dentro do hospital,  porque  o espaço é ocupado por alta tecnologia. Não só por conta dos equipamentos médicos, mas devido à área dedicada à toda infraestrutura, nobreak, gerador, sistemas de alarme, alarme de incêndio. Imagina utilizar compartimento hospitalar  para armazenar material? O primeiro raciocínio lógico é de que é preciso adotar uma boa gestão de estoque.

#3 Existem outros problemas que esse excesso de estoque pode causar? O reflexo é sentido na gestão financeira também?  

Se o estoque representa até 30% dos custos mensais de um hospital, não há como ignorar que deslizes na gestão de abastecimento podem engessar o  fluxo de caixa da operação e até causar problema financeiro ainda mais severo, quando há aquisição de grande volume de itens para estoque. O exemplo do período mais crítico da pandemia foi clássico. A compra desmedida de itens comprometeu o fluxo de caixa, sobrecarregou o estoque e o que é pior: com o hospital pagando caro. E o agravante: hospitais super estocados, sendo que alguns deles não tiveram a demanda que esperavam. Resumo da operação mal dimensionada: material dentro do estoque, sem giro, risco de  obsolescência e até itens com vencimento batendo à porta. A gestão da cadeia como um todo é a saída possível para reverter risco de perda.

#4 Oyama, pode falar sobre o novo papel do abastecimento? O que muda na relação hospital x distribuidor x fornecedor? 

O distribuidor desempenhou função importante, porque o Brasil é um país de dimensões continentais. Mas, qual a função do distribuidor? Criar capilaridade ou fazer com que determinadas regiões brasileiras mais remotas pudessem ter acesso aos materiais e medicamentos. Com o passar do tempo, alguns distribuidores – que eram o elo intermediário  entre o fabricante e o hospital  – começaram também a ver comprometido o fluxo de caixa. Então o intermediário, ao invés de agregar valor, acaba adicionando custo, em bitributação e riscos da incorporação, de relacionamento e financeiro – que cabe mais ao distribuidor e nem tanto ao fabricante.

Nos últimos anos, o que se tem observado é que todos querem ter um relacionamento direto com o fabricante, querem negociar diretamente com a indústria para amenizar a assimetria de preços que o Brasil sempre viveu, com diferenças regionais expressivas de preço. E o papel da tecnologia desenvolvida na Bionexo, ao longo desses anos, foi justamente o de tentar reduzir essa assimetria, colocando à disposição uma plataforma que tivesse acesso à toda a base. O desafio,  ao longo do tempo, é o de como fazer com que esses preços cheguem a locais onde talvez não se tenha volume e nem malha logística adequada.

#5 Distribuidor cede lugar ao operador logístico. Como abarcar benefícios para todo o ciclo com o novo formato de negócios?

O trabalho não estará restrito à compra, venda e fluxo de caixa, mas sim compreendido nos serviços da operação logística. Normalmente as margens de um operador logístico são bem menores do que as de um distribuidor, porque este assume riscos e o valor e a precificação difere significativamente de região para região. A mudança tem ocorrido num ritmo cada vez mais acentuado, com a operação migrando das mãos do distribuidor para o operador logístico. Todo distribuidor de material médico é normalmente monomarca (comercializa uma única marca que não pode competir com seu concorrente). Assim, numa mesma localidade, eu teria que ter dois distribuidores diferentes para representar dois fabricantes que são concorrentes. Contudo, na operação logística, é possível prestar serviço para esses dois fabricantes. Porque normalmente o que ele faz é uma composição do seu portfólio contendo produtos desses dois fabricantes, consolida e atende a necessidade do hospital. E se for mantido o sistema como é hoje, o hospital compra de dois distribuidores diferentes, porque quer os dois fabricantes. Vai contar com níveis de serviços distintos. Em contrapartida, há uma sinergia, uma melhor eficiência se você transforma esses dois distribuidores num único operador logístico. 

#6 Impacto da nova cultura de supply chain. Qual o apelo que move os players e clientes?

A lógica que estamos tentando provocar no mercado, o que chamamos de last mile (última milha) é para que o abastecimento seja cada vez mais eficiente, o hospital se sinta seguro de que não precisa manter altos os estoques, nem  ocupar o espaço de almoxarifado e deixar a gestão para um operador logístico. Ou seja, esse elo da cadeia que, estrategicamente, esteja melhor localizado para maior eficiência na ponta da operação. E, por trás disso, o ideal é que o fabricante possa aportar todos os materiais e atender a região dentro de determinada malha logística, muito mais produtiva. Além de, igualmente, aprimorar controle do vencimento de materiais, uma vez que, com a operação logística em um determinado local, ele consegue oxigenar o estoque de consignados, por exemplo. Hoje um distribuidor que trabalha com consignado, não consegue transferir estoque para outro.  Mas se ele for o fabricante, consegue operar livremente, como se fosse um armazém geral. 

Quer saber como ter visão completa de estoque e prever a necessidade do seu cliente?

#7 Um sistema mais colaborativo dá força ao protagonismo de supply. Quais os ganhos para hospitais e fornecedores?

O profissional de suprimentos não pode ser só um colocador de pedido. Tem que entender qual o benefício de se utilizar determinado material ou medicamento. Tem que saber que, caso exista alguma tecnologia ou material que reduza em um dia a internação de um paciente, isso pode refletir na melhora da experiência hospitalar, sem contar a redução do  risco de infecção, e isso compensa uma possível elevação no custo do procedimento.  São coisas não tão tangíveis… Claro que dá pra fazer conta, medir quanto custa um dia a mais de permanência, aí tem um pouco de conceito de economia da saúde… O profissional de suprimento tem que ter essa visão. Qual o benefício que esse material está trazendo e não só olhar apenas o preço. Quando esse profissional começa a mudar seu mindset e a  pergunta principal se torna: “Qual o resultado para o paciente?”, tudo muda. Não adianta custar mais barato e o paciente receber alta mais debilitado ou coisa do tipo. Nesse sentido o sistema precisa ser mais colaborativo, envolvendo muita disciplina.  

Quando se fala em valor agregado, é preciso definir quais os KPIs que quer monitorar e avaliar. Enquanto permanecer a distorção com a indústria tendo como meta fundamental o faturamento, market share, margem e o hospital tendo indicadores como infecção hospitalar e tempo de permanência– constatamos que os objetivos estão desalinhados. Há um desencontro de incentivos para atingir o mesmo fim, enquanto um está olhando um conjunto de KPI, o prestador de serviço está com outra visão. A questão fundamental é como melhorar o nível de serviço, como encolher espaço de armazenagem, como tocar a gestão do fluxo de caixa, tempo de atendimento e custos logísticos. 

#8 Rastreabilidade e aporte da tecnologia: Como fazer tudo funcionar com transparência? 

Primeiro é preciso definir quais os processos que se pode controlar, daí entra a tecnologia, aportando benefícios, automatizando algumas tarefas com base nos dados coletados, para identificar onde pode melhorar a eficiência e aprimorar. Outra questão é prover transparência e visibilidade para a cadeia como um todo, saber onde estão as oportunidades.  VMI (Vendor Managed Inventory) é uma delas. Quando o fabricante conseguir enxergar a movimentação dos hospitais,  vai ter a visão em real time de como está sendo a utilização de seus recursos. Futuramente vai ser possível otimizar isso.

No quesito rastreabilidade, a maior parte das instituições de saúde hoje usa um código próprio. É muito comum ver o hospital criando uma nova etiqueta para materiais que já vêm identificado. Aquela etiqueta que vem no produto interessa ao fabricante, às vezes o distribuidor coloca outra para controlar o seu estoque da maneira como ele enxerga, manda para o hospital e o hospital também cria a sua própria simbologia. É importante unificar essas nomenclaturas e contar com tecnologias de rastreabilidade. Evidente que se tudo correr bem, a rastreabilidade talvez não seja necessária, mas se ocorrer um recall de algum produto, as empresas vão se deparar com muita dificuldade para localizar e saber como proceder para retificar a avaria.

Entenda mais sobre o potencial da nova malha digital dos fornecedores de saúde

#9 E os pequenos fornecedores,  quais os espaços e desafios no cenário da saúde?

É preciso conceituar em que lugar da cadeia logística esse fornecedor está , se for  pequeno distribuidor eu acho que vai ter um problema. Se for um pequeno fabricante de determinado produto, consegue também se beneficiar com essa capilaridade que os operadores logísticos vão apresentar. O pequeno produtor, pequeno fabricante ou um fabricante que tenha um portfólio menor, pode aproveitar essa reestruturação da cadeia. Um distribuidor pequeno vai sofrer um pouco mais, porque ele tem que vender, o operador logístico não, cabe a ele apenas abastecer. Essa é a diferença entre o distribuidor e o operador logístico. Quem vai determinar a necessidade são os hospitais, o prestador de serviço de saúde. 

#10 Protagonismo de suprimentos no futuro: Coloca a inteligência à prova?

Muito da receita do hospital vem da comercialização de materiais médicos e medicamentos. Sem entrar muito no mérito do modelo de remuneração, que está muito baseado na receita dessa categoria de produtos, isso é um fato. Enquanto prevalecer a importância desses insumos, os prestadores de serviços – hospitais e clínicas – precisam ter alguém com inteligência para assegurar a melhor margem de comercialização para o hospital. Isso depende de melhorar precificação e  aquisição. Se o pano de fundo desse cenário é redução de desperdício, melhor gestão de estoque e maior eficiência operacional, isso indica que o setor de suprimentos deva conquistar o protagonismo. Não que tenha que ser o principal ‘ator’, mas precisa ter uma cadeira, principalmente no C-Level. É o caso de uma grande organização em que o C-Level vai precisar ter domínio sobre custeio e precificação de seus serviços, isso vai demandar retaguarda da área de suprimentos.

Supply chain já está relacionado à eficiência para além dos resultados econômicos para a instituição da saúde. Isso porque um equívoco no abastecimento pode provocar erro humano e até uso inadequado de medicamentos e materiais. Suprimentos então, já tem esse protagonismo nessa cadeia de valor, falta abraçar essa condição na gestão hospitalar.

#11 Novos paradigmas. Se você pudesse promover qualquer mudança na saúde hoje, qual seria?

Hoje todos os esforços têm que ter como foco o paciente, olhar qual o benefício que o paciente vai ter. Se perdeu um pouco isso. Eu mudaria não só no discurso – mas nas ações. Como oferecer o melhor produto? Como oferecer a melhor solução ao menor custo possível para que ele – o paciente – pudesse ter acesso? É terrível ter que fazer escolhas: isso é muito caro, isso eu não posso proporcionar, enfim. Hoje são muitas as escolhas. Poder oferecer o melhor e que  é acessível, soa um tanto utópico, mas o que é realmente necessário é de um cuidado que seja efetivo, e para isso, precisa estar disponível a todos.